Minhas Memórias capítulo 08
Capítulo 8 - A Mudança
Antes de falarmos de Bonsucesso, vou corrigir algumas informações sobre os períodos que vivi em cada um dos lugares citados nos capítulos anteriores.
Quando cursei o primeiro ano ginasial e o início do segundo, eu morava em Paquetá.
Isso significa que morei na ilha por aproximadamente 1 ano e não 3, como citei antes. Confesso que o tempo é o maior complicador na hora de escrever minhas memórias.
O restante do segundo ano ginasial eu cursei quando morava em Botafogo, o que dá um tempo de menos de um ano naquela localidade. O imóvel era cedido à minha mãe por um primo.
O terceiro ano ginasial eu cursei, em parte, morando em Bonsucesso, na casa do meu irmão mais velho.
Eu fui obrigado a abandonar o curso, e o colégio, por causa de uma rebelião dos alunos da quarta série ginasial e do científico, que resolveram se rebelar contra a minha presença na escola.
Como isso aconteceu? Como alguém pode se rebelar contra um menino de 13 anos de idade?
Já havíamos nos mudado para Bonsucesso, e eu estava me adaptando aos novos horários e ao novo trajeto de ônibus.
Bonsucesso é bem mais longe do centro do Rio do que Botafogo, e o trânsito é bem mais complexo, então o tempo da viagem era maior.
Essas novidades me causaram alguns pequenos atrasos no colégio, um deles no dia da prova de inglês. Foi aí que o bicho pegou.
No corredor onde ficava a minha turma, trabalhava um inspetor chamado Silva, que aterrorizava os alunos da 1ª, 2ª e 3ª séries. O homem era "o bicho"; ele pegava no pé de todos por qualquer motivo.
Ele costumava proteger apenas os alunos da 4ª série ginasial e do científico, os mais velhos. Com os mais novos, ele pegava pesado, os escorraçava.
Várias vezes eu o flagrei fumando escondido no banheiro com os alunos mais velhos. Aquilo era terminantemente proibido pela direção, e mesmo sendo alunos do segundo grau, a maioria era menor de idade. Eu tinha vontade de denunciar o Silva para a direção, mas me faltava coragem.
A coisa toda começou no dia da prova de inglês, quando cheguei uns 15 minutos atrasado por conta da adaptação aos horários e ao meu novo endereço.
Para o meu azar, o inspetor Silva estava no meu corredor e, ao me ver atrasado, não permitiu que eu entrasse na sala de aula. Consequentemente, eu perderia a prova e a nota.
Expliquei o motivo do atraso, mas ele foi intransigente e me mandou esperar o sinal da próxima aula para poder entrar na minha classe.
Fui colocado de castigo, sentado em um banco no corredor, quase em frente à minha sala. Eu estava inquieto, nervoso, muito preocupado.
O Silva ficava circulando pelo colégio à procura de alunos que se evadiam, então ele não podia ficar tomando conta de mim o tempo todo. Em um desses momentos em que ele me deixou sozinho, eu saí do castigo e entrei na sala.
Conversei com o professor e ele permitiu que eu fizesse a prova, mesmo atrasado. Eu era um ótimo aluno de inglês e só tirava notas boas, então, ele deve ter considerado esse fato.
Não demorou muito, o Silva passou pelo corredor e me viu pela janela de vidro da porta da sala. Eu estava fazendo a prova e ele devia estar me procurando.
O inspetor entrou na sala sem bater na porta, sem pedir permissão ao professor.
Estava desfigurado, me pegou pelo colarinho e me arrastou até a diretoria, sob o olhar curioso dos outros alunos e os protestos do professor de inglês, enquanto eu tentava me livrar das garras daquele monstro.
Lá, na sala da diretora, ele pediu a minha suspensão por desobediência. Gritava para todos os funcionários ouvirem que eu tinha feito ele de palhaço e que eu precisava ser punido.
Eu nunca havia sentido tanto medo.
A diretora, muito calma, não acatou o pedido de suspensão, nem sequer deu atenção à histeria do inspetor. Ela alegou que eu poderia fazer uma prova de segunda chamada e, me segurando pelos ombros para me acalmar, mandou que eu aguardasse o intervalo e só então voltasse para a sala de aula. O Silva ficou possesso.
Bom, eu não consegui fazer a prova. Não houve segunda chamada; o professor responsabilizou a secretaria e não permitiu que eu fizesse outra prova, então o zero foi inevitável.
Eu era um ótimo aluno de inglês e fiquei chateado com o professor. Não entendi a atitude dele, pois aquele seria o meu primeiro zero, minha única nota vermelha no boletim. Eu quis me vingar do inspetor Silva, ele sim era o culpado.
Daquele dia em diante, eu passei a levar para o colégio uma máquina fotográfica que havia ganhado da minha mãe.
Era uma Kodak RIO 400, uma câmera instantânea que fotografava sem flash e com foco automático. Era uma câmera barata, se comparada com as outras do mercado.
Eu queria fotografar o inspetor Silva no momento em que ele estivesse fumando com os alunos mais velhos dentro do banheiro. Eu queria denunciá-lo, queria vingança.
E, assim eu fiz. Depois de elaborar um plano com meu amigo invisível, o coloquei em prática.
O plano era o seguinte:
Era um dia como outro qualquer. A professora de artes passava a matéria e a turma fazia a maior bagunça.
Por volta das 10h15 da manhã, um pouco antes do recreio, pedi à professora para ir ao banheiro e ela deixou. Levei comigo a máquina fotográfica. Dei um jeito de sair com ela sem chamar muita atenção; as aulas de arte eram sempre uma bagunça e ninguém notou.
Como eu havia previsto, o Silva estava com os alunos no banheiro, fumando. Pude ver através da porta que estava entreaberta. O plano estava dando certo.
A câmera já estava na mão. Sem mexer na porta e aproveitando a fresta, rapidamente, sem que eles me vissem, tirei algumas fotos instantâneas sem me preocupar com ângulos, essas frescuras da fotografia. Eu só precisava de fotos nítidas.
Voltei para a sala certo de ter cumprido a primeira parte do plano. Agora era dar prosseguimento a ele. No recreio, usei o resto do filme.
No caminho de casa, passei no escritório da mamãe, como de costume. Pedi a ela dinheiro para um lanche, que na verdade foi usado para pagar as fotos que mandei revelar.
Naquela época, fotos em preto e branco eram reveladas em poucos dias. Ninguém desconfiou de nada e eu não contei para ninguém o que havia feito. A ideia era que ninguém ficasse sabendo.
As fotos ficaram prontas. Coloquei-as em um envelope e as entreguei nas mãos da diretora do colégio.
— "A diretora precisa ver isso", eu disse com um tom de satisfação.
Aquilo teve o mesmo efeito de uma bomba atômica. Foi um rebuliço danado.
O inspetor Silva e os alunos que apareciam nas fotos foram chamados à diretoria. Eu voltei para a minha turma fingindo não saber de nada, que não era comigo.
Logo a notícia se espalhou: os alunos foram suspensos e, quanto ao inspetor, ninguém mais o viu. Não fiquei sabendo o que aconteceu com ele.
Aquela confusão durou alguns minutos, talvez meia hora, sei lá, um zunzunzum danado.
Eu estava na sala de aula, copiando a matéria que a professora escrevia no quadro-negro, quando um grupo de alunos, eram muitos, invadiram a sala.
Foram até a minha carteira e me tiraram de lá à base de cascudos, xingamentos e empurrões. Eram todos do científico e da 4ª série ginasial. Não sei como, mas eles ficaram sabendo o que eu havia feito, que eu era o autor da denúncia.
A professora não esboçou reação alguma, talvez pela surpresa ou por medo.
Consegui escapar e corri até a sala da secretaria, onde me escondi.
Os alunos vieram atrás de mim. Eu estava muito assustado. Tive a impressão de, em um primeiro momento, não contar com o apoio dos funcionários da secretaria, que, assustados, tentavam entender o que estava acontecendo.
Os alunos estavam revoltados e eu tinha medo de que invadissem o lugar e me machucassem.
De lá, depois de muitos gritos e conversa, ligaram para a minha mãe, contaram o que estava acontecendo e pediram que ela fosse me buscar no colégio.
Na verdade, eu não tenho a menor ideia do que falaram para a minha mãe.
Nessa época, minha mãe estava trabalhando como secretária de um escritório de advocacia.
Um dos sócios era assessor jurídico de um órgão do Ministério da Educação que dava apoio aos cursos de nível superior, e ele a acompanhou até o colégio, não oficialmente, foi só como acompanhante mesmo, por segurança.
Houve muito tititi depois que minha mãe chegou.
Finalmente, fui entregue a ela com alguns pequenos arranhões e saí do colégio no carro do advogado amigo dela.
“Mesmo que as pessoas digam que se importam com você, na verdade elas não se importam, não o suficiente, e quando a verdade for inconveniente, quando a verdade não agradar, elas não irão acreditar, você estará sozinho.”
No pátio, os alunos se aglomeravam para me ver saindo no carrão do advogado.
Os da 1ª, 2ª e 3ª séries acenavam para mim, e me pareceu que estavam aliviados com o fim do inspetor Silva. Já os alunos da 4ª série e do científico xingavam palavrões e batiam na carroceria do veículo, sem sequer respeitarem a presença da minha mãe.
Não tenho ideia de como aquela confusão acabou, só sei que, por segurança, não voltei mais ao colégio.
Para não perder o ano, fiz supletivo no Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, em Copacabana, onde me formei.
Fiz a 3ª e a 4ª séries do ginasial em seis meses e, com isso, ganhei um ano de estudo.
Minha chegada em Bonsucesso
Em Bonsucesso, morávamos em um quarto reservado pelo meu irmão mais velho. Lá ficavam a beliche e uma cama de solteiro.
Como sempre, eu ficava na cama de cima, meu irmão na de baixo e minha mãe na de solteiro.
Não me lembro onde dormiam os filhos do meu irmão mais velho; a casa tinha dois quartos, sala, banheiro e uma cozinha grande.
Acho que não preciso contar que eu não gostava do meu irmão mais velho, assim como também não gostava da minha cunhada. Foram eles que disseram, tempos antes, que eu era muito chato e que por isso não me levavam para passear com eles. Eu não tinha esquecido e me sentia um intruso entre estranhos.
Na verdade, eu não tinha a menor intimidade com eles, e não queria morar lá. Era como se não fizessem parte da minha vida. Acredito que foi uma situação constrangedora para todos nós.
Eu ficava o dia todo em casa com a minha cunhada e meus sobrinhos.
Minha cunhada tinha um temperamento estranho e meus sobrinhos eram mais novos que eu.
O mais velho devia ter uns 4 anos, o segundo, uns 3, e a menina, uns 2 aninhos. Eu tive que aprender a lidar com essa nova situação, e confesso que no início não foi nada fácil.
Continua…… em breve mais um capítulo
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