Minhas Memórias Capítulo 13

 


 Capítulo 13 - O Teatro


Eu estava nervoso naquele dia. Tinha que estar, tudo era novo para mim. As pessoas naquela antessala eram estranhas, se vestiam de forma estranha e tinham um jeito estranho. Além disso, elas seriam os meus companheiros e companheiras de curso pelos próximos meses.

Um sentimento de arrependimento, por ter feito a inscrição, tomou conta de mim: 

- “Será que eu fiz certo em me matricular no curso de teatro? Seria possível eu me adaptar àquele meio?”. Essas perguntas não saíam da minha cabeça.

- “Estranho por estranho, eu também era estranho, um perfeito bicho do mato, totalmente perdido na Zona Sul carioca e agora dentro do Iate Clube do Rio de Janeiro ao lado de um monte de gente que parecia vir de outro planeta.”

Finalmente, chegou o coordenador do curso.
Ele abriu a porta do foyer, onde tinham mesas, cadeiras, estantes, um telefone, uma máquina de escrever e muito papel. 
Fez uma pequena entrevista com os alunos e mandou que entrássemos no auditório, colocássemos as nossas malhas, muito parecidas com as usadas por bailarinos, e esperássemos pelo professor e diretor de teatro.

Leonardo Alves era tratado pelo coordenador do curso como um grande astro do cinema, cheio de cuidados. 
Ele havia, recentemente, feito um personagem em uma novela da Globo da qual não lembrava o nome.
Na verdade, o Leonardo era uma figura carismática, educado, sensível e bastante exigente como professor. 

Chegou, se apresentou e foi logo passando um exercício coletivo, uma espécie de teste para conhecer o talento de cada um.

O teatro do Iate Clube era grande, com capacidade para umas 500 pessoas e tinha um palco maravilhoso, um equipamento de iluminação e de som perfeitos. O fundo era preto e com duas entradas para a coxia.
Os alunos subiram ao palco e aguardaram as instruções.

O teste era: representar uma árvore desde o seu nascimento até a sua morte... 

- “Ferrou!… Como representar uma árvore?”- pensei.

Olhei para os lados e vi alguns alunos se encolherem no chão, eu diria que numa posição fetal. 
Em seguida, jogaram os braços contorcidos para o alto e, com movimentos estranhos, levantaram os seus corpos em direção ao teto da sala lentamente, como se os braços fossem galhos e os corpos troncos. Os olhares fixados no teto, como se estivessem vendo discos voadores. Além disso, soltavam gemidos parecidos com o ranger de portas enferrujadas.

Achei uma loucura aquilo tudo, mas logo entendi que era um exercício e imediatamente fiz o mesmo, copiei aqueles movimentos estranhos.

Me enrosquei no meu próprio corpo e fui me contorcendo e dando vida àquela maldita árvore. Cheguei a acreditar que eu era uma árvore, parecia um louco desvairado, mas se o professor mandou fazer...

Logo fiz amizade com o grupo, em especial, com um rapaz de nome Fernando, um cara super receptivo, simples, que na primeira semana fiquei sabendo ser filho de um radialista da Rádio Guanabara, um disc-jóquei conhecido no meio artístico, Haroldo Eiras.

O Fernando tinha muito talento, atuava, cantava, dançava, tocava violão, já estava pronto.
Eu era o contrário, um perfeito canastrão como ator, e com o tempo fui descobrindo a minha falta de gosto pela arte de atuar. Eu gostava do meio artístico, mas definitivamente não tinha vocação para atuar, não era aquilo que eu queria.

Antes de desistir dos palcos, e das telas, Fernando e eu fizemos um tour por diversas produtoras de cinema e emissoras de televisão, buscando trabalhos como figurantes, mais por insistência dele do que por minha vontade. 
Ele dizia que formávamos uma ótima dupla, que eu era a matéria e ele o espírito e que juntos nos complementávamos.

Foi um irmão para mim. Frequentamos a casa um do outro por um bom tempo.

O Leonardo começou a ensaiar uma peça de teatro para apresentar aos sócios do Iate Clube. O Fernando era um dos atores convidados, eu não, não passei na seleção.

Durante os ensaios, o diretor precisou de uma pessoa para manusear o som e a marcação da luz. Eu adorava estar ali. Eu não fazia mais nada da minha vida, a não ser autoescola três vezes por semana. Eu queria participar de qualquer jeito daquele trabalho e como não tinha talento para atuar nos palcos, o jeito era atuar nos bastidores. Eu me ofereci para fazer o serviço e ele aceitou, seria provisório.

Eram de três a quatro ensaios por dia, começavam às 14:00 horas e terminavam por volta das 23:00 horas.
Eu achava cansativo, mas gostava de me virar nos efeitos de iluminação e de áudio.

O diretor me deixava à vontade para criar, me orientava, me passava as marcações de cena, de luz, de áudio. Ele me ensinava como se tivesse planos para mim... e na verdade, tinha mesmo. 
Tempos depois, me tornei o iluminador e sonoplasta oficial do grupo, graças aos seus ensinamentos.

A peça foi um sucesso. Depois da apresentação aos sócios do Iate Clube, estreou para o público em geral e em grande estilo, com coquetel, entrevista coletiva à imprensa e muita badalação.

Na coluna do crítico de teatro Yan Michalski, no Jornal do Brasil, saiu uma longa matéria enaltecendo o trabalho de toda a equipe, incluindo o do iluminador e sonoplasta, o que resultou em casa cheia durante toda a pequena temporada. 
Foi emocionante ver o meu nome no cartaz da peça e no Jornal do Brasil. Fiquei super entusiasmado.
Eu havia descoberto a minha vocação dentro do teatro: trabalhar nos bastidores, ser um iluminador, um sonoplasta e o que precisasse para produzir um espetáculo. O 

Leonardo percebeu o meu interesse e começou a me preparar para operar na sua próxima produção teatral, que iria ser apresentada no Teatro Arthur Azevedo em Campo Grande.

O Fernando abraçou a arte com toda a sua força e eu permaneci no grupo de teatro do Leonardo Alves como o responsável pela iluminação e pela sonoplastia. Continuávamos todos juntos. Foi um período muito intenso e feliz.

O grupo era muito animado e promovia constantemente festas e reuniões que se intercalavam ora na casa de um aluno ora na casa de outro.

Nesse intervalo, eu tirei a minha carteira de motorista e, sete meses depois de completar os meus 18 anos, a minha emancipação foi homologada.

Pronto, eu era dono do meu nariz. Só faltava receber a pequena herança do papai e tentar comprar um carro, por mais velho que fosse.



Continua…. Breve mais um capítulo.

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