Minhas Memórias - Capítulo 16
Capítulo 16: - O trabalho e o fim do namoro
Lembro de uma passagem que aconteceu logo que nos mudamos, pela segunda vez, para o apartamento de Botafogo, antes mesmo de eu me apresentar para o serviço militar.
Foi mais ou menos assim:
Minha mãe me acordou bem cedo. Ela costumava sair para o trabalho por volta das 7 horas e meu irmão ia junto.
Não era comum eles me acordarem, mas ela queria que eu assinasse uns documentos. Não explicou do que se tratava, até porque eu não iria entender nada, dado o meu estado de sonolência.
Sem me avisar, ela estava me fazendo sócio em uma empresa de transportes rodoviários, dessas que transportam mercadorias em caminhões para todo o Brasil.
Aquelas assinaturas eram para o contrato social, o estatuto e outros documentos necessários para o registro da empresa na Junta Comercial.
Minha mãe nunca me contou essa história; eu fui descobrir muito tempo depois. Mais tarde, eu vou contar como fiquei sabendo disso. Na verdade, a empresa não era minha, pertencia ao meu irmão Luiz, e eu era um laranja.
1 - A História:
Meu irmão era o despachante aduaneiro de um órgão público. Esse órgão importava equipamentos de vários países e os transportava para hospitais e faculdades de medicina de todo o Brasil.
Ele, por ser despachante aduaneiro, liberava esses equipamentos na alfândega e depois contratava uma transportadora para levá-los ao destinatário. Ele era o responsável por licitar e selecionar a empresa transportadora. O que aconteceu foi que, além de ganhar pelo serviço de despachante, ele resolveu lucrar com o transporte também e montou uma transportadora. Para isso ser possível, o nome dele não podia aparecer na empresa de transportes. Daí, surgiu a ideia de me colocar como seu "laranja", sem que eu soubesse.
Acho que eles (minha mãe e meu irmão) não me contaram com medo de eu não aceitar, ou até mesmo, de querer parte da empresa. Sei lá o que se passava na cabeça deles. Eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Como eu já descrevi aqui, meu irmão Luiz não se relacionava muito bem comigo. Então, minha mãe entrou em cena e, como sempre, o ajudou a colher minha assinatura na papelada que criava a tal empresa, aproveitando-se da minha ingenuidade e da minha confiança... O tempo passou…
2 - Voltando à nossa narrativa:
Eu me apresentei ao serviço militar, dei baixa dez meses depois, voltei ao teatro, fiz uma participação na produção do filme "A Dama do Lotação", iluminei minha segunda peça de teatro, "A Farsa do Advogado Pathelin" e segui na minha rotina:
Acordava umas nove ou dez horas da manhã, tomava café e ia à praia dar uns mergulhos e tomar um pouco de sol. Depois do almoço, eu me arrumava e ia para o curso de teatro onde permanecia até umas 22h. À noite, depois do teatro, eu não fazia mais nada; assistia à TV com minha mãe, ela sentada no sofá e eu deitado com a cabeça sobre as pernas dela, ela me fazendo cafuné.
Foi assim durante um bom tempo.
As coisas deviam estar indo bem nos negócios; o dinheiro ficou um pouco mais fácil e meu irmão marcou o seu casamento.
Os fretes estavam sendo realizados com sucesso, mas surgiu um problema: eles não tinham um funcionário de confiança para fazer a cobrança no destino e esses pagamentos não podiam ser feitos por depósito bancário, eram feitos em espécie.
Foi aí que, mais uma vez, minha mãe me chamou para conversar, desta vez, sobre trabalho.
Ela me ofereceu a função de cobrador dos fretes, que consistia em viajar por várias cidades do Brasil, visitando as faculdades de medicina e os hospitais contemplados com os equipamentos que eram transportados pela “nossa empresa”, e receber os fretes. Eu receberia uma comissão, acho que algo em torno dos 15%. Lembro que era muito dinheiro pra mim.
Eu não tinha a menor ideia de que era o dono da tal empresa, não sabia o endereço dela e nem se ela existia fisicamente. Eu não tinha noção de como os caminhoneiros eram contratados e muito menos o quanto eles recebiam pelo transporte. Eu só sabia que ia ganhar uma grana preta viajando por todo o Brasil e quem estava me colocando nesse serviço era a minha mãe.
Algumas semanas depois, eu saía do Rio de Janeiro, sempre às segundas-feiras, e só retornava na sextas. Viajava por duas ou três cidades, todo o trajeto de ônibus. Às vezes, pegava um avião para chegar mais rápido, mas isso dependia da conveniência do meu irmão; minha mãe me passava as coordenadas.
Às vezes, ficava em trânsito por duas semanas seguidas, dormia nos ônibus, em hotéis de rodoviárias e em "antros de prostituição", tudo isso para economizar nas despesas e sobrar mais dinheiro para mim. Detalhe: todo o dinheiro dos fretes ficava na minha mochila. Nunca me preocupei com assaltos e nunca fui roubado.
Enfim, com tanto dinheiro das comissões, eu me tornei uma pessoa desejada. Um jovem de 21 anos, moreno de sol, com dinheiro no bolso.
Comprei roupas novas em lojas da moda, frequentava uma boate VIP da Zona Sul carioca, coloquei aparelho nos dentes... Eu me tornei um chamariz, uma vitrine exageradamente iluminada, um verdadeiro pavão. Sabe aquele tipo de gente que nunca teve nada e de repente se vê ganhando dinheiro fácil e sem nenhuma responsabilidade? Pois é, era eu. Gastava que me lambuzava... Ah, tempo bom!
Mas o relacionamento comigo continuava muito difícil. Eu não dava muita atenção aos olhares desejosos, continuava virgem, tinha medo de me relacionar. Eu era tido como um cara metido, desejado, mas intocável. O teatro era a minha salvação; lá eu tinha amigos e também a Cláudia, minha namorada.
3 - Meu irmão casou e mudou.
Para mim, não fez muita diferença; eu nunca o via mesmo e continuei não vendo, até porque ele nunca havia me chamado para conhecer a sua nova casa. Logo, meu irmão e minha cunhada partiram em lua de mel.
Não lembro o porquê (deve ter sido em função dos preparativos para o casamento), mas fiquei um bom tempo sem fazer viagens para o meu irmão e, consequentemente, sem ganhar dinheiro.
Enquanto o casal curtia a lua de mel, minha mãe ficou tomando conta dos negócios do Luís e eu passava o meu tempo ajudando ela.
Não deu muito certo. Logo, minha mãe descobriu uma série de erros na administração e na contabilidade do escritório do Luís, contas que não haviam sido pagas e uma dívida astronômica.
Foi aí que ela começou a ficar doente. Ela havia se aposentado há pouco tempo e começou a dar plantão diário no escritório do meu irmão, tentando solucionar os muitos problemas e pagar as dívidas que não paravam de aparecer.
4 - Minha mãe adoeceu.
No início, era cuidada pelo meu irmão mais velho e sua esposa. Depois, ela piorou muito e foi terminar os seus dias em um leito de um ambulatório de um hospital público. Eu não tive coragem de acompanhar a evolução da doença dela. Foi quando fui morar no estúdio de teatro, no Catete, aquele mesmo estúdio do Leonardo Alves.
Mas, como e quando foi que os negócios do meu irmão começaram a não dar certo?
Vou tentar explicar:
Ele se casou em uma igreja luxuosa, na Lagoa Rodrigo de Freitas, talvez a mais cara do Rio de Janeiro. A noiva chegou de carrão importado alugado e desfilou por um corredor coberto de flores, um verdadeiro Éden. Os parentes estavam todos presentes, a igreja estava lotada.
Aquilo tudo deve ter custado uma grana preta.
A lua de mel foi no exterior e, pelo que eu soube, também custou bem caro.
Eles montaram e decoraram um apartamento na rua Lauro Müller, em Botafogo. Não lembro se era próprio ou alugado. Foi um verdadeiro luxo! Coisa de cinema. Aquela grana saiu de algum lugar.
Talvez essas tenham sido as razões para minha mãe ter encontrado dívidas tão numerosas e de tão grande valor.
Todos os detalhes acima descritos serão importantes quando eu for esclarecer o que se passou na minha vida após a morte da mamãe.
5 - Voltando à minha história.
Eu e a minha então namorada fomos padrinhos do casal.
O trágico foi que, no dia do casamento do meu irmão, um pouco mais tarde, eu terminei meu namoro e de uma maneira super cafajeste.
Fomos comemorar em uma boate: eu, minha namorada e um casal de amigos.
Em um determinado momento, já altas horas, minha namorada pediu para que fôssemos embora. Eu queria ficar mais um pouco. As músicas eram ótimas, o lugar estava animado e eu havia bebido bastante. Dançava com um grupo de jovens uma coreografia que haviam acabado de me ensinar, tipo quadrilha de São João, só que com música de discoteca.
A Cláudia concordou que eu ficasse e se despediu tranquilamente. Ela foi para casa de táxi.
Até então, estava tudo bem, sem problemas.
Não sei como aconteceu. Lembro que, por alguma razão, a Cláudia resolveu voltar e, quando chegou ao salão da boate, me surpreendeu aos beijos com outra menina.
Olhei para ela sem saber como agir e não falei nada. Só dei de ombros, como quem assume a culpa sem ligar para as consequências, até porque nada que eu dissesse iria mudar aquele quadro.
Ela ficou por alguns instantes ali parada, me olhando em silêncio. Em seguida, virou as costas e foi embora.
Nunca mais nos falamos. Foi horrível!
Continua…. Breve, mais um capítulo.
Comentários
Postar um comentário