Minhas Memórias - Capitulo 18

 




Capítulo 18 - O Guru


O patrão da mamãe devia ter uns 70 anos de idade; era um senhor grisalho, alto, forte, general reformado do Exército, advogado, professor catedrático de português e, além de exercer a advocacia, ele também dava aulas no Colégio Pedro II.

Ele se tornou um grande amigo da família e, mesmo depois da aposentadoria da mamãe, eles continuavam a se encontrar. Tinham aqueles que apostavam que eles namoravam.

Além de todas as especializações descritas acima, ele tinha um dom muito especial: o poder de curar as pessoas usando as palmas das mãos.

Não estou brincando, é sério.

Ele não gostava de falar sobre isso; somente os mais próximos sabiam e faziam uso desse dom.

É lógico que algumas doenças cirúrgicas, mais graves, estavam fora do seu alcance, mas algumas de suas intervenções tinham resultados espetaculares somente usando as palmas das mãos a uma distância de alguns centímetros do local enfermo.

Bem, eu o citei por uma razão: ele também era o guru de uma seita oriental de nome “Sudadarma”.

Se não me engano, a sede ficava no centro do Rio de Janeiro, acho que na Praça Tiradentes; eu só fui lá uma vez.

Minha mãe havia piorado bastante e eu estava transtornado, não estava conseguindo lidar com aquela situação.

O Professor, vou chamá-lo assim, em uma visita à minha mãe, percebeu o meu desequilíbrio e me convidou para conhecer a sede do templo Sudadarma e participar de uma meditação coletiva. Segundo ele, eu iria me sentir melhor.

Eu sempre gostei do místico. O desconhecido exercia sobre mim um fascínio indomável — aliás, até hoje eu tenho isso.

Aceitei o convite e, num dia de semana à noite, fui participar da tal meditação. 

Confesso que eu estava mais curioso do que crente, mas fui.

Era uma sala ampla com umas cem cadeiras. 

À frente, havia um altar com um sino dourado sobre uma mesa coberta com um pano branco. O local estava cheio.

Assim que cheguei, aproximei-me do professor que me orientou sobre quais seriam os procedimentos e como eu deveria me comportar.

Em seguida, sentei em uma das cadeiras, seguindo as orientações dele e fiquei aguardando o começo da cerimônia.

O professor, o Guru, iniciou os trabalhos com um mantra que é a repetição de uma palavra que gera um som que, por sua vez, gera energia.

A palavra era: om, om, om, om, ......

Fechei os olhos e comecei a repetir aquele som que vinha seguido de outra orientação: a de imaginarmos uma chama brilhante e constante no centro da testa, entre os dois olhos, a conhecida terceira visão.

Enquanto aquela chama imaginária aumentava o seu brilho, uma energia estranha tomava conta do meu corpo. Era como se eu estivesse me afastando lentamente daquele lugar e sendo sugado pelo universo.

Ouvi um sino distante tocar uma badalada. 

Foi nesse momento que eu apaguei e entrei em transe.

O que vou relatar agora é muito sério. 

Eu não sei se deveria falar sobre isso, mas, como foi uma das experiências que mudaram a minha forma de encarar a vida, eu vou contar.

De um instante para o outro, eu estava em meio a uma escuridão. 

Era como se eu estivesse dentro de uma estátua de um ser humano gigante e totalmente oca e escura.

Na verdade, eu estava no interior do meu corpo, totalmente solitário e assustado.

Na parte alta, havia dois finos feixes de luz, como se estivessem penetrando por onde se posicionavam os olhos da estátua, na verdade, os meus olhos.

Eu me via e me sentia como um ponto de luz, do tamanho da cabeça de uma agulha, talvez menor, uma luz que não emitia claridade — não sei como explicar direito.

Eu estava posicionado na altura da barriga, exatamente na altura do umbigo, não posso afirmar isso, mas foi o que me parecia naquele momento.

Eu, esse pontinho de luz, trombava contra as paredes daquele espaço vazio, escuro. 

Minha vontade era a de fugir dali. Era como se eu fosse a única estrela em todo a galáxia, era frio, eu estava com muito medo. 

Olhava para o alto, em direção a cabeça, onde estavam os dois feixes de luz. Eu queria chegar até eles. 

O meu sentimento era o de que, por aqueles feixes de luz, eu conseguiria fugir dali.

Eu precisava sair dali a qualquer custo. 

Talvez, se eu conseguisse com o balanço, provocado pelas trombadas que eu dava nas paredes, derrubar a tal estrutura, o meu corpo oco poderia cair e quebrar e eu me libertaria. 

Todas as possibilidades eram estudadas por mim.

Aquela agonia durou uma eternidade. 

Eu estava incomodado e sentindo muito calor, quase não conseguia respirar.

Foi aí que ouvi três badaladas de um sino, aquele mesmo sino do começo da sessão. 

A primeira badalada estava muito distante, a segunda um pouco mais próxima e, finalmente, a terceira me despertou totalmente.

Abri os olhos. 

No ambiente, a luz era de uma penumbra azul. 

Todos se abraçavam felizes, eu não. Eu estava apavorado com tudo o que eu havia passado e totalmente sem noção do tempo que permaneci naquele estado de transe.

Fui conversar com o professor e contar a minha terrível experiência.

Na realidade, havia se passado uma hora. Eu estava completamente banhado de suor e muito pálido.

O professor pareceu preocupado com o meu relato e tentou explicar:

Explicação:

O meu espírito, segundo ele, não estava feliz com a minha atual condição de vida, o que poderia ser por diversos fatores, havia muitos, um deles a doença da minha mãe.

Então, o meu espírito, o minúsculo ponto de luz, enquanto eu permanecia em transe, se separou do meu corpo e se viu prisioneiro dentro dele. 

Foi quando comecei, EU espírito, a procurar uma possibilidade de sair dali.

Durante a meditação, busquei caminhos e soluções para alcançar esse objetivo, me libertar. Isso me colocou em uma situação de perigo.

Se aquele ponto minúsculo de luz, EU, tivesse alcançado os feixes luminosos posicionados na altura dos olhos e por eles tivesse escapado, ou até mesmo, com os esbarrões nas paredes internas do meu corpo, desequilibrado e derrubado aquela estrutura oca e frágil, provavelmente o cordão de ouro que conecta o ser espiritual ao corpo material teria se rompido e minha vida terrena deixaria de existir. 

Essa foi a explicação que recebi do professor.

Na verdade, eu fui salvo pela badalada do sino. 

Uma simples meditação poderia ter causado a minha morte.

O professor se desculpou pelo risco ao qual me submeteu e me orientou a não repetir aquela experiência sem antes participar de um curso de meditação, sempre acompanhado por um tutor e de forma controlada, nunca sozinho.

Tirei a seguinte conclusão dessa experiência incomum:

“Somos minúsculos prisioneiros do nosso corpo, escravos dos nossos olhos e o mundo é uma grande arena onde nos confrontamos com as nossas ilusões.”

Aconteceu, passou, jamais vou esquecer.

Alguns meses depois, a minha mãe veio a falecer, mas sobre isso eu vou falar em outro momento.



Continua…. Breve mais um capítulo.

🌺🌺🌺

Comentários

  1. Vc e maravilhoso César continue assim seu blog cada dia melhor.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

1 - A Presidência

Minhas Memórias. Capítulo 01

Minhas Memórias. Capítulo 02