Minhas Memórias- Capitulo 20


 Capítulo 20 - A Noite em que Comemorei o Dia do Meu Aniversário de 23 anos.


O enterro da mamãe.

Assistir àqueles homens enterrando a minha mãe foi o momento mais desesperador de toda a minha vida. Ali, eu deixei de existir.

Qualquer pessoa que se aproximasse e me tomasse pelos braços, estaria se apossando da minha alma, da minha história; naquele momento, eu era um ninguém, eu não existia mais.

Foi o Zé Martins, o produtor do grupo de teatro, quem me tirou dali. Eu estava aos prantos, em estado de choque.

Foi uma longa viagem até Petrópolis.

Era um apartamento pequeno, quarto e sala, divididos por um corredor comprido.

No meio do corredor havia um recuo com uma cama de solteiro. Parecia um grande armário embutido, fechado com uma cortina pesada, grossa, de um azul-marinho bem escuro e foi nesse cantinho que eu permaneci por uma, ou talvez duas semanas.

O Zé deixou comida na geladeira, orientações com uma secretária e voltou para os seus afazeres no teatro.

O grupo teatral estava ensaiando uma peça de encerramento da temporada, que serviria também para a inauguração do Teatro de Câmara recém-comprado por eles. Eu era o iluminador e sonoplasta do espetáculo.

Fiquei umas duas semanas ausente, até me recuperar do choque causado pelo enterro da mamãe.

Depois de chorar muito, dormir muito e de meditar muito, voltei para a vida do Rio de Janeiro.

O Zé foi me buscar em Petrópolis para que eu retomasse os ensaios e as marcações de luz e som. Era a minha vida voltando aos eixos.

A previsão era a de que a peça “Museu de Cera” permanecesse em cartaz pelo menos por todo o período das férias de verão.

A estreia estava marcada para alguma data entre 1º e 20 de dezembro. Teria uma parada para as festas de Natal e Ano-Novo e retornaria em uma data entre 02 e 10 de janeiro.

O meu aniversário de 23 anos se aproximava e a peça ainda estaria em cartaz.

O meu aniversário caiu em um sábado, dia 22 de janeiro.

Na noite anterior, na sexta-feira, dia 21, após o espetáculo, um amigo havia programado uma festa surpresa em um pub na rua Almirante Gonçalves, em Copacabana, para comemorar a data. Esse amigo bancou e preparou tudo.

Eu ainda estava mal pelos acontecimentos recentes, mas concordei em aceitar o convite do amigo, que para mim era só para um jantar.

Eu não conhecia o “American Bar”, não sabia que se tratava de uma boate privê e muito menos que todo o elenco da peça estaria presente para comemorar o meu aniversário.

Foi uma surpresa divertida.

Bebemos, dançamos, rimos muito, até que, para surpresa de todos, uma mulher lindíssima, alta, muito bem-vestida, entrou no pub embriagadíssima, interrompendo a festa e falando alto, dirigiu-se ao dono do local, um tal de Mário, pedindo ajuda para encontrar as chaves do seu carro.

- “Quem era aquela mulher tão bem-vestida e tão louca, o que ela fazia ali, naquele estado de embriaguez?” - Fiquei impressionado com a cena.

A luz da boate acendeu e eu pude ver melhor a beleza daquela linda mulher e reconhecê-la.

Era a cantora Maysa Matarazzo em carne e osso. Eu era super apaixonado por ela.

Ela havia feito, recentemente, uma personagem na novela "O Cafona", da TV Globo.

Na novela, seu personagem era uma mulher sofisticada, rica e que vivia de porre.

Era ela, a personagem da novela. Ela estava ali na minha frente, a minha linda Maysa.

Vê-la bêbada, como o personagem, foi um presente de aniversário inesquecível… nossa! Eu era fã demais da Maysa.

Ela fez um escândalo cinematográfico no pub.

Ela se ajoelhava aos pés das mesas procurando as chaves do seu carro e chamava pelo tal de Mário.

Ficamos sabendo depois que ela morava na cobertura do prédio onde ficava o pub e, por conta do seu estado de embriaguez, o porteiro se negava a lhe entregar as chaves do carro.

O descontrole dela era tanto que chamaram a polícia.

Eu vi quando a polícia chegou e vi ela entrando no camburão. Eu também estava bêbado, não tanto quanto ela, as coisas não eram muito claras para mim, mas era a Maysa, ela estava indo presa e de camburão… nossa!!!

A partir daquela cena o assunto era um só: Maysa.

Maysa ficou conhecida não só pelo seu talento e sua voz incomparável. Ela protagonizou uma série de escândalos causados após seu casamento conturbado com o milionário André Matarazzo, sua separação, suas tentativas de suicídio e outras ousadias em público. A bebida era uma companheira inseparável.

Eu pude ver Maysa na noite em que festejava o meu aniversário. Poderia até dizer que ela participou da minha noite e que aquela cena foi o seu presente para mim…. Naquela noite, eu dormi no estúdio.

Já era sábado, estávamos de férias e eu pude dormir até mais tarde. O teatro só abriria às 17h para mais um dia de espetáculo.

O Léo e o Zé me aguardavam para o café.

Eu acordei feliz, com um pouco de ressaca, mas estava muito feliz.

Contei para eles da festa, do encontro com Maysa, do carinho recebido dos amigos e do porre que tomamos juntos.

A conversa fluía bem até que o Zé Martins, o produtor, me passou o jornal.

Estampado na primeira página, em letras garrafais, a seguinte manchete:

“RIO DE JANEIRO, SÁBADO, 22/01/1977

MORRE EM ACIDENTE DE CARRO NA PONTE RIO-NITERÓI, NESTA MADRUGADA, A CANTORA MAYSA MATARAZZO.”


Continua…. Breve mais um capítulo.


🌸🌸🌸

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1 - A Presidência

Minhas Memórias. Capítulo 01

Minhas Memórias. Capítulo 02