Minhas Memórias- Capitulo 22

 


 Capítulo 22 - TV GLOBO/TVR

Logo que comecei a trabalhar na TV Globo, providenciei minha mudança para um quarto alugado no bairro do Humaitá. O estúdio não era um local adequado para se morar; serviu em um momento de emergência, mas, a partir daquele emprego, a necessidade havia terminado.

O quarto ficava bem mais próximo da emissora e me permitia ir e voltar do trabalho a pé. A situação financeira continuava bastante apertada. O salário só dava para pagar o aluguel e me alimentar por uns dias.

Fui designado para assumir a sonoplastia do departamento de promoções da TV Globo. Minha função era criar trilhas sonoras de quinze segundos para servir de fundo às claquetes da pré-censura, um trabalho que me fez aprender muito e com um dos melhores profissionais do Brasil, o Sr. Joaquim Carneiro Gomes.

Pré-censura, para quem não viveu no regime militar, era um documento emitido pelo governo federal que autorizava a exibição de um respectivo programa, em um respectivo horário e para uma determinada faixa etária. A exibição desse documento era obrigatória e aparecia em forma de uma claquete antes de todos os programas da TV. A minha função era sonorizar essa apresentação, e não era muito simples.

A emissora não queria pagar os direitos autorais daquela pequenina trilha sonora, eram só 15 segundos no ar, então, tínhamos que aproveitar pequenos trechos de diversas músicas e fazer uma colagem, formando uma única trilha. Dessa forma, tornava-se impossível identificar quaisquer autorias e, consequentemente, eles não tinham que recolher os direitos autorais.

Além desse trabalho de pesquisa, eu também era responsável por gravar os áudios das chamadas da programação da rede e por participar da mixagem de áudio e vídeo dessas mesmas chamadas. 

"Chamadas" é como se denominam os vídeos de propaganda. No meu caso, as propagandas eram da própria programação da Rede Globo: novelas, programas de auditório, filmes, etc.

Eu chegava na Globo às 7h da manhã e permanecia até as 22h; eram três turnos. Fazia as refeições no restaurante da emissora e, às vezes, em uma padaria localizada em frente aos estúdios.

Era muito divertido atravessar da emissora até a padaria. Os populares, ou tietes, ficavam aglomerados na frente do estúdio aguardando a oportunidade de ver algum artista. Quando eu aparecia na porta da emissora, esses tietes me abraçavam, pediam autógrafos, como se eu fosse algum artista importante. Kkk... Logo percebiam que eu não era um artista e corriam em direção a outro alguém.

Como sonoplasta da Globo, ganhava das gravadoras todos os lançamentos em discos LPs para utilizar nos trabalhos de pesquisa das trilhas. Os discos vinham com um selo de "invendável". Aquela era uma forma de as gravadoras divulgarem seus artistas. 

LPs, para quem nunca ouviu falar, eram aqueles discos grandes feitos de vinil.

Para ajudar nas despesas, eu colocava alguns desses discos em uma bolsa e ia vender para os amigos a um preço inferior ao do mercado. Ganhava um extra importante. Era cansativo, mas compensava. Às vezes, trocava os discos por comida. As trocas eram feitas com os garçons ou até mesmo com os gerentes dos restaurantes. Isso aconteceu por um curto tempo, talvez uns três meses.

O quarto onde eu passei a morar não me trazia o conforto esperado. A dona do quarto tinha um filho, já rapazinho, que parecia ter algum transtorno psíquico. Por diversas vezes, fui acordado no meio da noite com os gritos e gemidos do menino. A impressão era a de que ele estava sendo torturado, era assustador.

Tudo ia naturalmente difícil até que, para complicar um pouco mais, eu sofri um problema intestinal que me levou à urgência do Hospital Gaffrée Guinle, no Maracanã. Lá fui submetido a uma pequena cirurgia. Coisa rápida e simples, mas superdesagradável. O que aconteceu, afinal?

Foi em uma manhã igual às outras: eu estava na Globo, fui ao banheiro e evacuei sangue. Aquilo me assustou muito e, sem saber o que fazer e a quem recorrer, peguei um táxi e fui ao pronto-socorro do Gaffrée Guinle. Por que o Gaffrée? Não tenho a menor ideia. A Globo ficava no Jardim Botânico e o Gaffrée, em Vila Isabel/Maracana. Enfim.

Não era tão grave como imaginei, mas houve necessidade de cirurgia. 

O que os médicos me disseram: eu tinha uma fissura grave no reto, provavelmente, causada por um trauma provocado por alguma disfunção intestinal. Foi indicada uma Esfincterotomia, um pequeno corte feito no músculo esfíncter anal interno para aliviar a tensão e o espasmo, e a microcirurgia foi feita no ambulatório do hospital, algumas horas depois, fui liberado.

Sem ter para onde ir, voltei para o segundo turno de trabalho na Globo. 

Estar sozinho naquele momento foi difícil. Não ter com quem conversar sobre o assunto, pedir conselhos, pedir ajuda, mas eu não podia desistir, só tinha uma direção a seguir: em frente. Minha fé me sustentava. Eu não tinha tempo para Deus, mas sabia que Ele estava comigo.

Lembram-se do Zé Luís? (Capítulo 17). O amigo da Cristina? O amigo que me buscava em Brás de Pina, na casa do meu irmão, para curtirmos juntos as noites da Zona Sul carioca e ainda pagava as minhas despesas?

Depois de quase um ano sem nos falarmos, recebi uma ligação dele. Eu estava na Globo. 

Ele trabalhava, nessa época, como chefe do RH de uma empresa de transportes multinacional, na filial do Rio de Janeiro, em Bonsucesso. 

Ele esteve me procurando: foi na casa do meu irmão, que informou não saber de mim; foi no estúdio de teatro e lá informaram que eu estava trabalhando na Globo, mas não sabiam em que setor. Ele queria me achar e conseguiu, anotou o meu ramal e me ligou.

Fiquei feliz em encontrá-lo. Conversamos muito, colocamos em dia nossos assuntos e, depois de almoçarmos, ele me fez um convite para ir trabalhar com ele na empresa de transportes rodoviários. O salário era seis vezes maior do que o da Globo e o horário era o convencional: das 8h às 18h, com duas horas de almoço.

Eu seria um assistente comercial. Iria, inicialmente, atender clientes por telefone ou no escritório da empresa, e convencê-los a fazer negócios conosco. 

Eu não entendia nada de negócios ou de vendas, mas aceitei o convite na hora e pedi demissão da TV Globo.

O Zé ainda se ofereceu para me apresentar a um casal de amigos que moravam em Copacabana, na Rua Duvivier, e que alugavam quartos para rapazes solteiros. 

O quarto era ótimo, arejado, a dois quarteirões da praia, bom preço e total liberdade para entrar e sair. Logo que conheci o casal, fechamos o aluguel e mudei no mesmo dia. Uma mudança simples, apenas uma mala.

Na quarta-feira da mesma semana, fui recepcionado pelos diretores da TVR — Transportadora Volta Redonda — em um jantar em um dos restaurantes mais caros do Rio de Janeiro, o AVIS. 

Ali começava uma nova etapa na minha vida louca.

Da TV GLOBO direto para a TVR. 

De artista a executivo em 24 horas.

Mas a vida tinha muito o que me ensinar.


cesarsalgueiro.blogspot.com


Continua….. breve mais um capítulo.


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