Minhas Memórias - Capitulo 23

 


 Capítulo 23 - Do Topo ao Fundo do Poço


O departamento comercial da TVR (Transportadora Volta Redonda) ficava na sala da subgerência da filial Rio, na Pavuna.

Era uma empresa estruturada, com um pátio enorme, oficinas, caminhões próprios, espaços para cargas especiais; enfim, era uma das grandes empresas de Engenharia de Transportes do Brasil.

Trabalhávamos juntos: o subgerente, um rapaz de nome Gândara e eu.

Atendíamos os assistentes de vendas pela manhã e, eram cinco, em seguida dávamos atenção aos clientes através dos vários telefones e ramais da empresa.

Tudo relacionado a fretes, transportes, reclamações e marketing passava obrigatoriamente pelo setor.

Além do transporte de ferro e aço, transportávamos também equipamentos gigantes como geradores, barcos, aviões, etc., chamados de transportes especiais.

Foi um grande aprendizado.

Meu trabalho era conversar com os clientes, dando assistência sobre os assuntos relacionados a transportes realizados e a novos possíveis contratos.

Foi muito rápido: consegui uma carteira extensa de clientes que só aceitavam negociar e fechar negócios comigo.

Eu era um “crianção” de 23 anos, cabelos longos, brincalhão, ocupando uma função importante na empresa. 

Eu gostava de estar com aqueles “coroas” engravatados, escutando suas histórias e bebendo uísque do bom. 

Fechar a venda de um transporte era um pequeno detalhe. O importante era agradar os diretores das grandes empresas siderúrgicas e os representantes das importadoras e exportadoras de produtos pesados. Se eles estivessem satisfeitos, o resto fluía com tranquilidade.

Com aquele meu repentino sucesso, comecei a representar a empresa nas concorrências da Petrobras, Halliburton do Brasil, Sergen Engenharia, Aracruz Celulose e muitas outras grandes empresas com sede no Rio de Janeiro. 

Um dia, cheguei na empresa e soube da demissão do Gândara, meu companheiro de trabalho. 

Ficamos no departamento só o subgerente e eu. Consequentemente, minha carteira de clientes cresceu bastante após a demissão do colega.

Aluguei uma quitinete em Botafogo, em frente à Sears, e saí do quarto de Copacabana. 

A quitinete tinha uma vista lateral lindíssima da Enseada de Botafogo, uma localização estratégica, com condução para todos os bairros do Rio de Janeiro. Era só atravessar o aterro e pegar o ônibus na calçada da praia, em frente ao Clube Mourisco e eu estava a caminho do trabalho.

Minha saída do quarto da Rua Duvivier foi tranquila; os rapazes se tornaram bons amigos e me pareceram satisfeitos com o meu crescimento profissional.

Para surpresa de todos na empresa, o subgerente pediu demissão e meu amigo Zé Luiz foi trabalhar nas Indústrias Beira Alta do Brasil. 

Dias depois fui promovido por duas vezes seguidas e assumi o cargo de encarregado do departamento comercial e da divisão internacional da empresa. Foram três anos de muito trabalho e aprendizado.

O salário não acompanhou a responsabilidade, e eu comecei a reivindicar aumento salarial.

Eu era muito garoto, não estava preparado para aquele sucesso profissional, as bajulações dos clientes, os elogios dos diretores da empresa; enfim, o sucesso subiu à cabeça. Eu estava com 26 anos de idade.

Comecei um processo de reivindicação salarial desprezado pelo gerente da filial. 

Uma tarde, movido pelo ego, resolvi dar um xeque-mate naquele jogo com o gerente geral: coloquei meu emprego à disposição caso ele não atualizasse meu salário. Não fui atendido. 

Não tive outra saída a não ser pedir demissão. Foi o fim de uma breve temporada de tranquilidade.

Não perdi muito tempo, fui atrás de um novo emprego e me coloquei no mercado, na mesma área de transportes. Com o meu currículo, achei que o mercado me receberia rapidamente.

Mas o tempo passou e o mercado não foi generoso comigo. 

Os chefes de RHs justificavam que minha carteira estava assinada em um cargo muito superior às vagas que poderiam me oferecer. Uns até aconselhavam que eu tirasse uma nova carteira de trabalho.

O dinheiro da rescisão foi acabando, e o desespero tomou conta da situação. Entreguei o apartamento de Botafogo e voltei a morar no quarto da Rua Duvivier. Os amigos Paulo e Francisco me receberam muito bem, poderia dizer que ficaram felizes com a minha volta.

O tempo não teve piedade, não estava sendo um aliado. Sem conseguir emprego, o dinheiro parou de entrar, e sem poder pagar o aluguel do quarto, a vergonha me fazia despistar o casal de amigos. Minhas roupas permaneceram no quarto, mas eu, não.

Eu dava sempre um jeito. Se o tempo estivesse bom, eu dormia na praia; caso contrário, eu dormia em uma das boates gays da proximidade. 

Essas boates não cobravam ingresso, só cobravam a consumação e fechavam depois das quatro da manhã. Eu entrava, sentava num cantinho escuro e adormecia. O garçom me acordava na hora de fechar e eu ia caminhar no calçadão da Av. Atlântica até o dia amanhecer.

Muitas vezes eu esperava os restaurantes da Avenida Atlântica fecharem e ia procurar dinheiro e objetos esquecidos pelas pessoas entre as mesas. Com sorte, achava dinheiro suficiente para um copo de leite e um pão com manteiga, às vezes um PF ou um angu do Gomes.

Quando amanhecia, eu ia até a esquina do apartamento dos rapazes e ligava para a empregada, Virginia era o nome dela. Caso eles ainda estivessem em casa, eu esperava eles saírem e tocava a campainha. Aquela mineirinha foi uma irmã para mim. Ela me deixava entrar na casa para tomar banho, trocar as roupas e ainda lavava e passava para mim sem pedir nada pelo serviço.

Nas noites de sextas-feiras e sábados eu não conseguia dormir nas boates; elas ficavam muito cheias. Eu ia assim mesmo e sempre encontrava alguém para me pagar uma bebida e ou alguma coisa para comer. Em seguida, sentava debaixo de uma marquise e esperava o dia clarear.

Pela manhã, o processo se repetia: procurava dinheiro por entre as mesas dos restaurantes da orla, tomava meu desjejum na padaria e ia ao apartamento tomar um banho e me trocar.

Continuava a procurar emprego, mas a sorte não estava ao meu lado. 

Um dia, conheci uma menina linda que tinha uma fábrica caseira de meias de tricô, crochê, não sei o nome daquele material. 

Conversamos por horas sentados no calçadão de Copacabana e depois ela perguntou se eu queria vender as meias que ela fabricava, me deu uma quantidade de pares de meias, tudo só na confiança, e eu comecei a vender meias.


Continua….. breve mais um capítulo 


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