Minhas Memórias - Capitulo 24
Capítulo 24 - A Luz no Fundo do Poço
Meu pai foi um vendedor muito bom; pelo menos, foi o que meus tios me contaram. Isso não significa que eu tenha herdado esse dom.
Na transportadora, eu fazia uma espécie de venda, mas nada parecido com o que meu pai fazia.
Eu ficava sentado em um escritório com ar-condicionado, duas telefonistas, vários ramais e uma secretária experiente. Era uma espécie de venda executiva, pois os clientes já constavam na carteira da empresa.
Na verdade, eram os clientes que me procuravam para solicitar cotações de preços e condições para os seus transportes. Tudo regado a muita conversa e uísque.
Muito diferente de carregar uma sacola cheia de meias no ombro e andar por aí batendo de porta em porta oferecendo meias coloridas.
Em momento algum eu achei que seria fácil, mas era o que eu tinha para garantir alguns trocados. Eu precisava ter um mínimo que me garantisse alimentação e, se possível, o aluguel do quarto.
Com a sacola nas costas, ia apertando os interfones dos apartamentos da Avenida Atlântica e oferecendo meias. Eram bonitas, tinham estampas de personagens de gibis, flores, arco-íris, muita variedade, além de serem exclusivas.
As vendas que papai fazia eram parecidas com as que eu fazia na transportadora, mas vender meias de porta em porta, meu Deus!
O calor era insuportável, o povo se refrescava na praia, e eu não conseguia vender um par de meias sequer.
Eu estava desistindo quando uma moça simpática e educada atendeu ao interfone. Era um prédio de luxo, e ela pediu que eu subisse ao seu apartamento.
Fiquei tenso, mas ela percebeu. Me ofereceu uma cadeira e um copo d’água.
A simpatia dela foi me deixando à vontade e, enquanto ela olhava as meias, fui contando a minha história.
No fim, ela comprou alguns pares de meias e indicou outras amigas que, gentilmente, compraram todo o meu estoque.
Foi um empurrão no meu ego. Eu tinha dinheiro para investir em mais mercadoria, para fazer uma boa refeição e até beber uns chopes.
As vendas decolaram, umas clientes me indicavam outras, e a coisa foi crescendo como uma bola de neve.
Resolvi não pagar o aluguel do quarto, não ainda. Eu precisava juntar uma boa grana primeiro.
Continuei a dormir nas boates gays de Copacabana e a me divertir dançando e fazendo amigos.
Aquelas boates eram democráticas.
Os frequentadores eram pessoas simples, respeitadoras, amigas, estavam sempre prontas a ajudar e se tornaram meus fregueses.
No fim da noite, eu me deitava em um banco da praça e cochilava até o sol nascer. O clima ajudava bastante, era verão.
Acordava ao amanhecer, tomava café na padaria, ia até a esquina do apartamento da Duvivier, interfonava para saber se os donos já haviam saído para trabalhar, subia, tomava banho, trocava de roupa, pegava a minha bolsa de meias e ia vender.
No fim do dia, levava a bolsa de volta e deixava com a Virgínia; ela guardava para mim.
Numa daquelas noites, na boate, conheci um rapaz, o Paulo. Ele me procurou interessado nas meias e, depois daquela noite, nos encontramos outras vezes e nos tornamos amigos.
Ele morava no Lins de Vasconcelos, era um aventureiro. Não tinha emprego, morava com a avó e duas irmãs.
Algumas vezes, saíamos juntos da boate e seguíamos até a Praça do Lido, em Copacabana. Eu escolhia um banco e me acomodava para dormir, e ele ficava ali até o dia amanhecer.
Eu sempre fui um sonhador curioso.
A liberdade, a vontade de voar, de descobrir coisas novas me fascinavam. Tinha medo dos riscos, mas não deixava de corrê-los. Não queria depender de ninguém; o que eu queria mesmo era sair pelo mundo, bater cabeça como fazia quando criança e adolescente, mas agora o sistema me obrigava a trabalhar.
Foi uma surpresa agradável ter reencontrado uma linda amiga da época do teatro, quando vendia meias para uma das pessoas indicadas por clientes.
Ana Rosa era uma mulher bonita, simpática e muito rica. Ela foi aluna do Leonardo no mesmo curso que eu. Morava na Atlântica, em um apartamento de luxo, daqueles prédios de um apartamento por andar, todos de frente para o mar.
Conversamos por horas, matamos a saudade dos velhos tempos e atualizamos nossas histórias de vida. Foi quando ela contou que o pai era dono de uma mineradora em Rondônia e proprietário de uma rede de joalherias em todo o Brasil. Não pude resistir a pedir que ela intercedesse junto ao pai para conseguir um emprego para mim.
Eu pensei em uma das joalherias em Copacabana.
Ela se comprometeu a conversar com o pai e me passou o seu telefone.
Fiquei bastante entusiasmado e esperançoso depois daquela conversa e continuei com as minhas vendas.
À noite, fui à boate, meu eventual dormitório, e encontrei o Paulo por lá. O resto da noite foi uma repetição do que acontecia em todas as últimas noites.
Na manhã seguinte, após tomar banho e trocar as roupas, liguei para Ana Rosa.
Ela estava feliz. Me disse que o pai me aguardava em Rondônia para fazer um curso e só depois falaríamos sobre uma possível contratação para trabalhar em uma de suas lojas. Ela não sabia detalhes e me passou o endereço da mineradora em Rondônia e o telefone do pai.
Eu precisava de dinheiro para a viagem. Minhas economias iam bem, mas seria mais seguro conseguir mais.
Contei a novidade para o Paulo, e ele perguntou se poderia viajar comigo. Ele estava desempregado e viu naquela história uma oportunidade.
Não pensei muito. Concordei em viajar com ele se ele arrumasse a grana para ajudar nas despesas da viagem. Ele conseguiu o dinheiro, e marcamos a viagem.
Continua… breve mais um capítulo.
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