Minhas Memórias - Capitulo 25
Capítulo 25 - A Viagem
Paulo e eu estávamos em uma boate gay localizada dentro de uma galeria no bairro de Copacabana.
O clima era de comemoração.
Ao sairmos da boate, sentamos na porta de um bar ao lado, que já havia fechado, e conversamos até o dia amanhecer. Não tínhamos sono; o assunto era a viagem para Rondônia.
O fato de Paulo ir comigo havia sido um upgrade naquela história, que parecia um tanto nebulosa no começo. Era uma viagem longa, e uma companhia seria muito bem-vinda.
A galeria começou a ficar movimentada, o dia já estava claro, as lojas começaram a abrir, a chuva deu uma trégua. Paulo foi embora, e eu fui até a padaria comer alguma coisa.
Eu precisava de um banho, estava suado, a roupa pinicava meu corpo. Era uma mistura de suor e sujeira, e meu cabelo, nossa!!! Eu estava me sentindo o próprio cocô do cavalo do bandido. Eu precisava de um banho urgente.
Fui até o apartamento da Duvivier e, após os procedimentos habituais, tomei um bom banho, me troquei, peguei a sacola de meias e fui à luta.
Eu precisava vender muitas meias para conseguir o máximo possível para a viagem.
Ficou claro que só a renda das meias não seria suficiente para cobrir as despesas da viagem, nem mesmo com a ajuda de Paulo.
Paulo me apresentou a uma pessoa que aceitou me emprestar um dinheiro alto, correndo todos os riscos, óbvio que com juros compatíveis com esses riscos.
Para economizar, compramos duas passagens de ônibus do Rio de Janeiro para Cuiabá; de lá, compraríamos as passagens para Rondônia… Nada de avião.
Às 14 horas do dia 26 de fevereiro de 1981, véspera de carnaval, embarcamos na viação Andorinha.
Foram 24 horas terríveis dentro daquele ônibus.
Chegamos em Campo Grande às 13h30min do dia seguinte, uma sexta-feira.
Lá fizemos a conexão e, às 13h35min, saímos da rodoviária de Campo Grande com destino a Cuiabá.
Chegamos em Cuiabá às 3 horas da manhã do sábado de carnaval, dia 28 de fevereiro.
Foram mais 11 horas e 30 minutos de viagem.
No segundo trecho da viagem, uma criança resolveu tirar o tênis para o desespero dos passageiros.
A criança estava no colo da mãe e dos pés dela exalava um chulé tão forte que contaminou todo o ambiente causando um mal-estar entre os passageiros que obrigaram a mãe a calçar a criança novamente.
Havia também animais que acompanhavam seus tutores: porcos, galinhas e até cabras. Era um entra e sai desses bichos, eu não sabia que aquilo era permitido.
Logo que chegamos em Cuiabá, deitamos em dois bancos de cimento, ali mesmo na rodoviária, e dormimos até o dia amanhecer.
Com o raiar do dia, as pessoas começaram a circular pela rodoviária e nós acordamos.
Tomamos um café da manhã reforçado, com um leite maravilhoso que parecia ter vindo diretamente das tetas da vaca para a xícara. Depois fomos procurar um guichê que vendesse passagens para Porto Velho.
Nesse próximo trecho seriam mais 24 horas de viagem, isso se conseguíssemos passar pela Transamazônica.
Foi aí que as coisas começaram a dar errado.
Fomos informados de que os ônibus não estavam passando na Transamazônica em virtude das chuvas e das cheias, e que não havia previsão de quando voltariam a circular.
— “Ferrou!” — fiquei apavorado. — “O que fazer?”.
Estávamos em uma cidade da qual não conhecíamos nada, com pouco dinheiro, presos por tempo indeterminado em função das chuvas, e o dinheiro que tínhamos não dava para voltar para o Rio de Janeiro.
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Quando eu estava no curso de teatro, conheci um rapaz mato-grossense que fazia parte de uma família de políticos de Cuiabá.
Fazendo faculdade no Rio de Janeiro, ele frequentava o curso de teatro à noite.
Edilson Baracat era o nome do rapaz. Éramos bons amigos e chegamos a passar alguns finais de semana na casa de Leonardo e Zé Martins, em Petrópolis.
Ele tocava violão e cantava músicas de Sá e Guarabira. Eu adorava ouvi-lo cantar; ele era gente muito boa!
— “Será que eu consigo encontrar o Edilson aqui em Cuiabá?” — foi a única ideia que passou pela minha cabeça.
Sendo de uma família de políticos tradicionais, não deveria ser difícil localizá-lo.
Fui perguntando sobre os Baracat na rodoviária mesmo.
Não demorou muito para encontrar alguém que desse informações a respeito.
Eles eram de Várzea Grande, o segundo município mais importante de Mato Grosso, que ficava a uns 7 km, cerca de 10 minutos, do centro de Cuiabá.
Fizemos as contas e concluímos que a grana que tínhamos dava para pagar um hotel, só para guardar as malas, no máximo por uma noite. Tempo suficiente para procurar o Edilson.
Eram três malas pesadas, e seria difícil andar pela cidade com aquela bagagem toda.
O Hotel Presidente ficava em uma rua bastante movimentada do centro de Cuiabá. A diária era razoável, então foi lá que deixamos as malas.
Tomamos um banho e partimos para Várzea Grande.
Em 1981, Várzea Grande, embora fosse um município importante, era bem pequeno.
A Av. Couto Magalhães era a via principal, que atravessava a cidade de ponta a ponta.
Ao longo da avenida, além de boas casas, havia um comércio variado: lojas de material de construção, imobiliárias, mercados, um estádio de futebol do time Operário, uma agência da Caixa Econômica Federal, pensões e um boteco de nome “Bico Doce”, um lugar super simpático.
Assim que o ônibus entrou na avenida principal, avistamos uma casa azul com uma placa grande com os dizeres: “Imobiliária Baracat”.
Descemos do coletivo. — “Foi mais fácil do que eu imaginava” — pensei.
Só tinha um funcionário na imobiliária e perguntamos se ele conhecia Edilson Baracat.
O funcionário conhecia o Edilson, disse que a imobiliária pertencia ao pai dele e que o pai do Edilson foi prefeito de Várzea Grande e a família era proprietária de muitas terras, loteamentos, fazendas, gado, e também era irmão da deputada estadual Sarita Baracat.
— “O meu amigo era importante” — na hora acreditei que ele seria muito útil na continuação da nossa aventura com destino a Rondônia.
Mas, o rapaz não soube informar onde poderíamos encontrá-lo.
A família do Baracat morava em uma fazenda distante dali, mas a deputada, tia dele, residia numa rua bem próxima da imobiliária. Ela tinha um histórico político surpreendente, uma mulher respeitadíssima por todos.
Fomos até lá para procurar informações que nos levassem a Edilson.
Foi a própria deputada, Sarita, quem nos atendeu.
Simpática, nos recebeu muito bem e nos adiantou que os jovens estavam todos — Edilson, o filho dela e vários amigos — acampando, durante o carnaval, em um lugar chamado “Rio Mutuca”.
O Rio Mutuca fica na BR 251, a 43 km de Várzea Grande, a cerca de 45 minutos de carro.
Os jovens costumavam acampar naquele recanto de paz e águas limpas.
— “Meu Deus!!!… e agora?” — Não podíamos esperar até Quarta-feira de Cinzas.
Por sorte, um rapaz parou o carro em frente à casa de Sarita na hora em que conversávamos e perguntou se ela queria mandar algum recado para os meninos; ele estava indo se juntar a eles no acampamento.
A deputada nos apresentou, disse que vínhamos do Rio de Janeiro à procura de Edilson e perguntou se ele não nos ofereceria uma carona… E assim aconteceu.
Naquela mesma hora que chegamos em Várzea Grande, já seguimos de carona para o Rio Mutuca.
Nossa aventura: encontrar Edilson Baracat.
Continua… Breve, mais um capítulo.
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