Minhas Memórias - Capitulo 27
Capítulo 27 - Sempre surpresas!
A temporada de chuvas se estendeu até maio. Nos primeiros três meses, nos divertimos conhecendo a cidade e participando da vida dos nativos. Ana Zilda, Linda e Edilson nos ciceronearam por todos os pontos de Várzea Grande e de Cuiabá.
O lugar de que mais gostamos foi o Bico Doce, um bar de calçada localizado em uma esquina no centro de Várzea Grande. Frequentado pela juventude local, era o point da cidade. Era o ponto de partida para todos os lugares: parques, boates, restaurantes, churrascos em fazendas. Todos os programas começavam lá. Foi um período divertido; esquecemos de Rondônia, das chuvas e do propósito daquela viagem. Estávamos despreocupados.
Sob a direção do Baracat, conhecemos muita gente: políticos como Roberto Campos, cantores cuiabanos, atores, reitores de universidades. Era uma vida interessante.
Ana Zilda, minha namorada, era manequim e desfilava para as melhores marcas de sapatos femininos da região. Ela me levava junto a todos os seus eventos. Era um pouco chato, mas os coquetéis que se seguiam eram maravilhosos.
Com tanta badalação, o dinheiro que eu estava reservando para continuarmos a viagem acabou. Sem grana, a badalação também acabou. As meninas ajudavam, pagavam algumas despesas, mas não estávamos à vontade com aquilo. Não tinha cabimento sermos bancados por elas. A coisa ficou tão ruim que passamos a comer, tanto no almoço como no jantar, as abóboras e os chuchus que cresciam no nosso próprio terreno. Lá também havia mamoeiros e abacateiros, além de muito mato. Passamos uns dias capinando e cuidando do terreno, e o trabalho valeu a pena. Começamos a tirar dele o nosso sustento.
Mas Paulo não aguentou muito tempo nessa dieta. Entrou em desespero, ligou para sua avó, pediu uma passagem aérea Cuiabá/Rio de Janeiro e marcou sua volta para o dia seguinte. Eu não tinha para quem ligar nem para onde ir. O jeito era ficar por ali mesmo, esquecer Rondônia por um tempo, procurar um trabalho e seguir em frente.
À noite, no Bico Doce, senti uma mistura de sentimentos e emoções. Linda chorava a sua perda, e Ana Zilda comemorava a minha permanência e se propôs a me ajudar a encontrar trabalho.
Na manhã seguinte, foi a despedida de Paulo. Todos os amigos foram ao Aeroporto de Várzea Grande se despedir dele. Em seguida, fui almoçar na casa de Ana e conhecer seus pais. Os pais dela foram simpáticos e me ofereceram para fazer as refeições na casa deles. Eu aceitei; aquela foi uma bênção de Deus.
A área do aeroporto era conhecida como "namoródromo". Em frente, havia uma boate de nome “Recanto da Vovó”, super badalada. Ela funcionava de quinta a domingo. Fomos algumas vezes lá; uma lembrança boa.
Naquela noite, depois de deixar Ana em casa, fui embora caminhando pela avenida Couto Magalhães, e uma sensação de imensa tristeza me fez chorar. Eu estava com medo de dormir no barraco, estava com medo de chegar em casa. Eu queria caminhar até Rondônia. Estava com medo de amanhecer sozinho naquele lugar; eu queria que aquela noite não terminasse. Era Paulo me fazendo falta. Eu não tinha percebido, até a sua partida, o quanto ele me fortalecia. Foi estranho.
Mais alguns dias se passaram e fui procurado pelo Chico. Lembram dele? Foi ele que nos levou até o Rio Mutuca para encontrar Edilson. Ele trabalhava como vendedor para uma empresa cuiabana chamada Plano Engenharia. A pedido de Ana, ele me ofereceu uma solução provisória para eu ganhar um dinheiro enquanto estivesse desempregado. Ele me emprestaria a planta de um loteamento sob sua responsabilidade e eu venderia os lotes. O valor da entrada de cada lote seria todo para mim, e eu receberia o dinheiro na hora da venda como um sinal. Prestaria contas com ele todas as sextas-feiras no fim da tarde.
Consegui vender muitos lotes. Caminhei por toda a região, entrei em fábricas, colégios, obras, lojas, e cada venda bem-sucedida era mais uma força para eu continuar minha caminhada. Fazia muito calor em Cuiabá, mas eu estava feliz, ganhando um bom dinheiro. Eu me tornei um vendedor de verdade, e não importava se fazia calor ou se chovia.
Abri uma conta-poupança na Caixa Econômica e continuei a fazer minhas refeições na casa de Ana Zilda. Começamos a fazer planos; falávamos em noivado, mas ela já falava de filhos. Com tudo dando certo, fui ficando em Várzea Grande.
Eis que, em plena tarde de um dia quente do inverno cuiabano, Paulo aparece na cidade com uma mala e com a ideia fixa de seguir viagem até Rondônia. Tomado pela surpresa, não sabia o que dizer a ele. Eu estava quase noivo, trabalhando, ganhando dinheiro. Não sei o que passou pela cabeça do "maluco", mas ele estava ali, diante de mim. Isso não era ruim, mas era confuso; me deixou feliz, mas tinha a Ana. Eu não queria ir para Rondônia, e essa era a única certeza que eu tinha.
Com o retorno de Paulo, as noitadas e os passeios voltaram a acontecer, e o dinheiro que eu havia juntado foi escorrendo pelo ralo. As despesas de Paulo eram por minha conta. Eu me sentia responsável por ele ter voltado, além do mais, ele só falava em Rondônia, e fui eu que o envolvi naquela história. Quando contei que aquela aventura havia ficado no passado e que eu pretendia criar raízes em Várzea Grande, foi um choque. Eu pude ver a decepção dele.
Naquela ocasião, Paulo recebeu a notícia de que sua avó havia se mudado para Copacabana, do Lins de Vasconcelos para a rua Barão de Ipanema, esquina com a Av. Nossa Senhora de Copacabana, a duas quadras do mar. Quando soube da mudança, ele ficou dividido entre uma aventura na estrada e a vida de garoto da Zona Sul. Morar a duas quadras da praia de Copacabana ou se arriscar na estrada em busca do desconhecido? Ele se manteve na dele, não tocou mais no assunto.
Na semana seguinte, recebi a notícia de que o loteamento que eu vendia se esgotou e fiquei desempregado novamente. Ficamos os dois, Paulo e eu, comendo na casa de Ana até o dia da nova partida de Paulo. Ele foi viver a vida de playboy da Zona Sul, finalmente ele decidiu.
Eu não estava sozinho dessa vez, Ana estava lá para me dar força. Mesmo desempregado, planejamos casar em janeiro, tínhamos a certeza de que até lá eu já teria dado um rumo à minha vida.
Já estávamos na primavera quando a Petróleo Ipiranga anunciou que faria a seleção de dois funcionários para trabalhar no aeroporto da cidade; o salário era excelente. Eu não perdi tempo, me inscrevi e fui fazer a prova. Tinha mais de cem candidatos na sala, só duas vagas. Eu não tinha nada a perder, era ganhar ou ficar na mesma. Eu amo desafios, então…
Continua... Breve, mais um capítulo.
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