Minhas Memórias - Capitulo 28
Capítulo 28 - A Viagem (O Acidente)
A prova consistia em perguntas sobre matemática, português e uma redação sobre a história do petróleo e sua importância para o Brasil.
Eu levei aproximadamente uma hora para concluí-la e fui o primeiro a sair da sala; não estava nada fácil.
Eu sempre fui bom em redação e gostava de acompanhar as páginas de política nos jornais. Nunca me considerei um sujeito burro ou alienado, mas também nunca me considerei um cara inteligente. Eu apenas tentei, achei que devia fazer o teste, e foi o que fiz. O resultado só sairia na semana seguinte.
Eu não estava disposto a ficar à toa, esperando um resultado que podia não ser o desejado. Então, aproveitei o resto da semana para procurar emprego na área de vendas. Ganhei um bom dinheiro vendendo lotes para o Chico e acreditei ser possível continuar na área. Fui visitar as imobiliárias de Cuiabá à procura de uma vaga.
O que eu não sabia é que vender terras exigia credencial e autorização de um órgão: o CRECI.
Sem saber, na Plano Engenharia, eu estava operando sob o registro do Chico; a empresa sequer tinha ciência da minha existência. Ele, o Chico, me fizera uma gentileza a pedido da Ana e nada mais. Sem o CRECI, todas as imobiliárias me fechavam as portas.
A semana se arrastou até o dia do resultado.
A expectativa era de fracasso. Duas vagas para centenas de candidatos? Não acreditavam que eu conseguisse.
As meninas e alguns amigos se reuniram no barraco, na minha ausência, levaram cerveja e ligaram o som do carro a todo volume em frente a ele. O plano era não deixar eu desistir: se eu caísse, eles me pegariam. Todos sabiam da importância daquele emprego, tanto para mim quanto para Ana.
Contrariando todas as expectativas, eu voltei com o primeiro lugar.
Uma euforia me tomou. Eu começaria a trabalhar no dia seguinte. Senti um orgulho que nunca soube existir. Corri para casa querendo gritar a vitória para Ana, para a vizinhança, para o mundo. Eu era funcionário da Petróleo Ipiranga!
A festa no barraco estava insana. O cheiro de cerveja e suor se misturavam no ar quente, o som alucinante me deixou atordoado. Tinha gente em todos os cantos, mas a concentração estava no cômodo do meio, o meu quarto. A Ana estava lá, a janela estava aberta. Eu saltei a janela, gritando a plenos pulmões:
— “Passei! Passei! Fiquei em primeiro lugar! A vaga é minha, estou empregado, começo amanhã!”
O quarto tinha apenas uma cama de solteiro, a rede e uma cadeira de praia dobrável em “X”, com assento e encosto de lona. A regulagem de altura era um encaixe simples de dentes na madeira.
Um rapaz se levantou e me cedeu o lugar.
Virei-me de costas para a cadeira, segurei nos braços de madeira e estiquei as pernas, sustentando o corpo apenas na força dos braços. Então, me deixei cair, o corpo inteiro, sobre o assento.
A madeira protestou. O calço se soltou.
A cadeira colapsou com um estalido seco, seguido por um som horrível, como o de uma tesoura gigante se fechando. Senti uma pressão excruciante, um choque gélido e, no instante seguinte, a dor lancinante.
Eu estava preso, abraçado por uma armadilha de madeira. Meu grito não parecia meu, era um som agudo e distante. O sangue jorrava, pulsando das pontas dilaceradas dos meus dedos anelares, manchando a lona e o chão de cimento.
Com a ajuda desesperada dos amigos, consegui me soltar. O choque transformou o mundo em câmera lenta. Minha visão se fixou em algo no chão: duas pontas rosadas. Eram os pedaços decepados dos meus dedos.
O pânico me puxou de volta à realidade. — “Preciso levá-los!” - pensei.
A dor era insuportável; seguindo os instintos, trêmulo, recolhi os pedaços com a mão ensanguentada.
Corri para o posto de gasolina que ficava na esquina, gritei por ajuda, foi quando vi o Chico — o mesmo da carona para o Mutuca, o mesmo dos lotes. Corri em sua direção. Ele, por coincidência, estava no posto abastecendo seu carro.
— “Por favor, me leva para um hospital! Eu preciso reimplantar os meus dedos!” - implorei.
Ele me levou a uma farmácia, que, com razão, recusou o atendimento:
— “Não posso fazer nada! Leve o rapaz para a emergência de um hospital!”, - disse o farmacêutico.
Finalmente, fui levado a um médico de verdade, dono de uma das clínicas mais caras de Mato Grosso, em Várzea Grande.
— “Vamos tentar reimplantar seus dedos. Se não houver rejeição, você sai daqui com eles. Caso contrário, teremos que amputá-los.” - Por que os médicos são tão frios ?
Então, o golpe final:
— “Na conta de quem devo colocar as despesas da cirurgia e da internação?”, - o doutor concluiu.
— “Como assim?”, - pensei atônito.
O Chico se adiantou e disse que Sarita Baracat, a deputada federal, arcaria com os custos.
Sarita não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Eu ali sangrando, agonizando, e o médico preocupado em receber.
Meus dedos estavam tão inchados que a aliança ficou presa. O médico a serrou e a removeu, aplicou uma antitetânica, depois a anestesia, ou vice-versa.
Tudo começou a sumir, a escurecer, até que a consciência foi embora.
Acordei em um quarto particular, com uma agulha enfiada no braço, recebendo um soro anestésico de um saco pendurado em um cabide. As mãos estavam enfaixadas.
Ana Zilda estava sentada ao lado, os olhos cheios de preocupação. Assim que me viu acordado, ela me relatou a situação absurda: o médico ligara para Sarita, que se eximira de qualquer responsabilidade.
Ana continuou: ele, o doutor, estava me mantendo dopado, esperando que alguém se prontificasse a pagar as despesas. Eu havia dormido por doze horas seguidas, ainda não tinha conhecimento se meus dedos estavam no lugar, e tinha mais aquela história.
Era um absurdo, claro! Mas o que significava? Que eu ficaria ali, sedado, até que um desconhecido resolvesse bancar as despesas hospitalares?
As meninas arquitetaram um plano.
Perto das onze da noite, Ana se reuniu com duas gaúchas e um rapaz no bar do Bico Doce.
Descobriram que, após as 22h, a clínica ficava sob os cuidados de apenas uma enfermeira, uma senhora de uns 60 anos, a responsável por me assistir em caso de emergência.
Em uma noite, pouco depois das dez, Ana me sacudiu. Ela tirou a agulha do meu braço, me vestiu e um rapaz me colocou nos ombros. Começamos a correr pelo corredor em direção à saída. A velha enfermeira vinha atrás, gritando, mas eu mal conseguia entender o que acontecia.
Um Maverick marrom esperava com as portas abertas em frente à clínica. Fui jogado de qualquer jeito no carro...
Acordei na manhã seguinte, deitado na rede, no meu quarto.
Ana dormia na cama e uma das gêmeas estava na cadeira. Elas se revezariam na limpeza e troca dos meus curativos dali para frente.
Mesmo assim, depois de recuperado, voltei à Petróleo Ipiranga na esperança de reaver minha vaga.
Já havia sido preenchida.
Continua... breve mais um capítulo.
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