Minhas Memórias - Capitulo 30
Capítulo 30 - O Jornalista
Neste capítulo, vou preencher algumas lacunas com informações que serão necessárias para o esclarecimento dos próximos acontecimentos e que não foram mencionadas em capítulos anteriores.
1. Assim que voltei de Mato Grosso, enquanto procurava emprego e ainda morava no apartamento da Dona Guiomar, foi anunciado a abertura de um concurso público para o Judiciário estadual. Os salários não eram convidativos e havia pouquíssimas vagas para milhares de candidatos. O grande chamariz do concurso era a estabilidade.
A avó do Paulo, por sua conta, pagou as nossas matrículas e nos obrigou a fazer as provas. A irmã mais velha dele (na verdade, era tia) trabalhava como escrevente do 9º Ofício de Notas e fez as nossas inscrições.
Eu já havia participado de um concurso em Cuiabá e, mesmo sem estudar, passei em primeiro lugar.
— "Por que não tentar um concurso público no Rio de Janeiro?"
O resultado das provas demorou tanto a sair que eu fui trabalhar na Golden Cross, com três salários mínimos na carteira, mais o auxílio-saúde e alimentação, mudei para a pensão da rua Santa Leocádia e já estava fazendo musculação na ACM quando foram anunciados os aprovados. Meu nome constava entre eles. O salário era o mínimo e sem benefícios.
Entre as regras do concurso, que teria a validade de quatro anos, havia a possibilidade de trancar a vaga até o final desse prazo (isto é, eu poderia optar por não ser nomeado naquele momento e aguardar até que o último aprovado fosse chamado), isso sem perder a vaga.
Seria impossível sobreviver com menos do que eu ganhava na Golden Cross e eu precisava dos tíquetes de alimentação.
A solução foi reservar a minha vaga e voltar para o fim da fila dos aprovados.
2. Quando pedi demissão da Golden para me dedicar exclusivamente à confecção, eles me ofereceram uma promoção para a chefia de serviços gerais. Eu não aceitei; estava certo de que a confecção daria certo.
Alguns famosos desfilaram com os nossos acessórios em um desfile realizado no Pão de Açúcar pela Yes Brasil e American Denim. Xuxa e Carlos Alberto Riccelli foram alguns deles. Também tivemos os nossos acessórios na novela "Loucos de Amor", exibida na TV Globo em 1983. Tínhamos chegado ao topo.
3. Quando Simão, da Yes, nos levou a aceitar a exclusividade nas nossas vendas, deveríamos ter solicitado a ajuda de um profissional em negócios, mas não o fizemos. Todo o processo foi feito à confiança e sem garantias.
Inflação de 45% ao mês, vendas com prazos de 30, 60 e 90 dias para recebimento e sem reajustes: as contas nunca fechariam. Simão se aproveitou da nossa ingenuidade e comprou a nossa marca.
Nesse ínterim, fui convidado, juntamente com a família do Paulo, a frequentar reuniões budistas e fiquei tão impressionado a ponto de me batizar naquela religião.
Era uma atração insana por culturas orientais, não resisti à ideia de ser batizado no budismo.
Mas o interesse pelas experiências místicas era antigo.
4. Ainda em Mato Grosso, uns meses antes de voltar para o Rio de Janeiro, a Ana e eu fomos convidados pelo reitor da Universidade de Mato Grosso a participar de um estudo kardecista. Uma experiência fantástica e inesquecível.
Foi em uma mesa Kardec, na dita universidade, que eu me descobri um espírito transportador, o que significa que, com bastante treino, conseguiria me comunicar mentalmente, ou espiritualmente, com outros espíritos em qualquer lugar do planeta.
A necessidade de conhecimento naquela área era impressionante.
Para mim, na época, ter fé não era só frequentar igrejas ou templos; ter fé era um exercício de busca permanente, era ir ao encontro de Deus. Creio que ainda penso assim.
Na mesma sessão da mesa Kardec, em um momento de meditação, eu teria me transportado para um lugar desconhecido e, sem orientação, lá eu permaneci até o chamado do reitor. Como foi esse chamado? Não sei... Eu já havia passado por momento parecido no passado, quando fiz uma meditação na seita Sudadarma.
Enfim, foram experiências incríveis que me fizeram entender um pouco mais o termômetro dessa coisa magnífica chamada vida.
*********
Voltando à história, nós quebramos no início de 1985 e, sem ter como pagar o aluguel da pensão, fui morar de favor no apartamento de um rapaz transgênero, no mesmo prédio onde morava o Paulo.
Superatencioso, ele me ofereceu uma cama em um quarto ocupado por outros três rapazes; era como uma comunidade onde todas as despesas eram divididas entre eles. Como eu não tinha como dividir as despesas, voltei a fazer as refeições na casa da avó do Paulo.
Eu não me sentia à vontade em fazer todas as refeições na casa dela, então, busquei alternativas para me alimentar.
Eu ia ao supermercado, próximo à hora do almoço, enchia um carrinho de compras e ficava empurrando o carrinho por todos os lados e corredores do mercado enquanto comia biscoitos, iogurtes, frios, tudo o que estivesse ao alcance e fosse fácil de manipular.
Saciado, largava o carrinho em qualquer lugar e ia embora. Na hora do jantar, eu aparecia no apartamento do Paulo e aproveitava o "rango". Isso durou poucos dias.
Conheci um jornalista. Ele morava em Vila Isabel, na Rua Conselheiro Paranaguá, em uma casa muito boa com seis quartos.
Um amigo contou que ele ajudava jovens artistas em busca de oportunidades e que tinham umas 13 pessoas morando na casa.
O lugar tinha um apelido: "Marabá". Uma espécie de república onde rolava muita música, festas e amizades.
Fui apresentado a ele por um amigo que atuou no grupo de teatro do Leonardo na mesma época que eu; eu o reencontrei no mercado, num desses dias de almoço furtivo.
Gérson, esse era o nome do jornalista, conversou muito comigo. Eu gostei do cara, parece que ele também gostou de mim, e deixou eu morar na sua casa até que eu conseguisse ajeitar a minha vida.
Mudei no mesmo dia, de Copacabana para Vila Isabel.
Eu e o Paulo ainda tínhamos um volume grande de acessórios prontos e que poderiam ser transformados em dinheiro. Tínhamos as motos também, elas estavam quitadas.
Colocamos os acessórios nas mochilas e, de motos, seguimos para o fórum no centro da cidade.
Como já disse anteriormente, a irmã do Paulo, a filha da Guiomar, na verdade tia do Paulo, trabalhava no cartório do 9º Ofício de Notas. Pedimos que ela conseguisse uma autorização para que vendêssemos esses acessórios no prédio do tribunal.
Andamos todos os cartórios, todos os andares e todas as secretarias, oferecendo os cintos, suspensórios, coletes e calças de couro. Vendemos tudo.
Quando chegamos à sala da Corregedoria, onde ficava o RH do Judiciário, conhecemos uma mulher, chefe do departamento, Bete Frigeria.
Entre os comentários sobre os acessórios, os trabalhos da Corregedoria, concursos e outras coisas, ela comentou sobre o concurso de 1981. Alguma coisa como:
— "Estamos chamando os últimos aprovados do concurso que vai perder a validade em breve."
O Paulo olhou para Bete e apontou para mim:
— "Ele passou nesse concurso — disse ele.
Ela ficou perplexa por uns instantes e foi verificar se meu nome constava na lista dos derradeiros aprovados.
Quando voltou, pediu que eu atualizasse os meus dados pessoais e confirmou que eu seria chamado logo para fazer a opção da serventia onde iria trabalhar.
Continua... breve um novo capítulo.

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